"Pensei que era moleza mas foi pura ilusão
Conhecer o mundo inteiro sem gastar nenhum tostão"
(Melô do Marinheiro - Os Paralamas do Sucesso)
Esse blog é dedicado a todos que voam, que já voaram e que sonham em voar!





domingo, 18 de dezembro de 2011

Natal em Amsterdam


Amsterdam é um dos meus lugares favoritos no mundo. Um dos lugares que eu quero voltar antes de morrer.
A cidade é pequena e linda! O povo é simpático, desestressado e receptivo com os turistas. Bem diferente de outros povos da Europa. Os holandeses tem um calor humano que lembra de certa maneira nós aqui dos trópicos.Quando saiu minha escala e eu vi que ia passar o Natal em Amsterdam, com direito a dois dias inativos eu fiquei feliz!



Na empresa em que eu trabalhava, o tripulante que voava  no Natal ou Ano Novo tinha direito a levar um dependente consigo. Podia ser marido, mulher ou filho. Mas os solteiros e sem filhos não podiam levar ninguém.
Na época eu era solteira, então juntei-me aos outros desgarrados.  Éramos uns quatro ou cinco solteiros, os demais estavam acompanhados. 
Na noite de Natal, resolvemos ir ao Bulldog Cafe para relaxar, tomar umas cervejas e ficar chapados.
Na Holanda o consumo de maconha e haxixe é liberado. Em Amsterdam existem vários bares ou cafés que vendem o produto, com cardápio e tudo, além de disponibilizar os apetrechos para a confecção do baseado.  A gente consome lá mesmo. Nas ruas não é permitido assim como em lojas e outros estabelecimentos.
The Bulldog Cafe
Pausa para comentário elucidativo: abrir parênteses Não apoio o consumo de substâncias psicoativas em locais onde estas não são legalizadas. Já está comprovado o poder de destruição que o crime organizado possui. Cidades sitiadas, cidadãos ameaçados e insegurança. E também recuso-me a ajudar Fernandinho Beira-Mar, Nem e companhia a comprar carrões importados e jóias cafonas pra suas mulheres. fechar parênteses


Ficamos lá numa boa curtindo nosso Natal doidão até umas onze da noite, quando resolvemos voltar para o hotel. Compramos algo para comer, o vinho já tinha sido providenciado. Combinamos a reunião no quarto da Bebel, que era maior.  A intenção era comer, tomar o vinho e capotar cada um no seu quarto.
Ao chegar à recepção, um gentil funcionário nos informou que o hotel estava oferecendo uma ceia de cortesia para a tripulação, e que todos já estavam reunidos no salão. Só faltava a gente.
Que cilada! Nem dava para fugir! Lá fomos nós, com os olhos vermelhos e uma vontade danada de rir, que logo se transformou em vontade de chorar quando vimos todo mundo sentadinho e comportadinho  nas mesas colocadas em semicírculo.
Os garçons, cada um com sua tromba se arrastando pelo chão, davam a impressão de que foram pegos tão de surpresa quanto nós para a tal ceia de cortesia. E que assim como nós gostariam de estar a anos luz dali!
Sentamos todos, com um sorriso amarelo na cara, a boca seca, sem saber o que dizer, à espera de um milagre de Natal. Um apagão, um alarme falso de incêndio, uma poção mágica de invisibilidade, enfim qualquer coisa que nos desse a chance de escapar. 
Como nada está tão ruim que não possa ficar pior, a mulher de um dos co-pilotos resolveu incorporar a primeira-dama (apesar de ela ser a segunda-dama) e para quebrar o gelo propôs que cada um de nós dissesse algumas palavras.
É nessas horas que a gente compreende verdadeiramente a expressão: de boas intenções o inferno está cheio!
E ela mesma, toda se achando, começou o discurso de abobrinhas, na certa para mais tarde se gabar para o marido: "Viu só como eu falei bonito, benhê?" Disse que estava “muito feliz por estar ali, que o Natal era um momento de confraternização, que isso, que aquilo…”
Eu olhava para os meus amigos e eles para mim, imaginando o que fazer. Gritar até ficar rouca? Mandar a “primeira-dama” se situar e parar de falar besteira? Desmaiar? Pegar a faca em cima da mesa e cortar os pulsos?
Quando chegou na minha vez de dizer algumas palavras eu falei mais ou menos assim: “Olha, vocês são muito gentis e tal, mas  eu não curto muito essa coisa de comemoração, nem de discurso. Na verdade eu nem queria dizer nada porque eu não tenho nada interessante para dizer.”
Alguns segundos de silêncio.  Veio a comida, que por sinal deixava a desejar. Os garçons que nos serviam com uma má vontade gritante contribuíram ainda mais para tornar a ceia de Natal  uma verdadeira tortura.
Desejei boa noite assim que pude faze-lo sem parecer falta de educação, e fui dormir.
No outro dia era Natal! Como não tinha almoço comemorativo, nem discursos, nem candidatas a primeira-dama, resolvemos nos dar de presente o aluguel de umas bicicletas, um passeio na Leidseplein e uma visita ao  Bulldog Café.
Leidseplein

Stoned again…
Laricas







terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Natal em Belém


Não, não é a cidade onde Jesus nasceu.  É Belém do Pará mesmo!
Comecei a voar no mês de Dezembro, depois de três meses de curso. 
Como em aviação antiguidade é posto, eu como “carne nova” nem tive a opção de folgar nas festas de fim de ano.
O primeiro mês de um novo trabalho é sempre estimulante! Ainda mais se o trabalho é viajar pelo Brasil afora conhecendo novos lugares e tendo contato com outras culturas.
Quando peguei minha primeira escala de voo, tudo era novo para mim!  Pela programação ali impressa, eu estaria de sobreaviso no dia 23, iria para Porto Alegre no dia 24 em um voo pinga-pinga, onde passaria a noite de Natal, e no dia 25 de manhã iria a Buenos Aires, Montevideo, novamente Porto Alegre, São Paulo e finalmente Rio, chegando tarde da noite, numa programação que era conhecida como “Conheça a América do Sul em uma tarde”.
Na véspera do meu voo natalino, a programação mudou. Fui acionada no sobreaviso para o voo para Belém.  Ao invés do sul eu passaria a noite de Natal no norte, em Belém do Pará. Era um voo direto, de pouco mais de três horas, chegando em Belém pouco antes da meia noite. No dia seguinte (24) ficava inativo e dia 25 de manhã cedo retornava ao Rio, também direto.
Por mim tudo bem. Quem está na chuva é para se molhar.
Ao me apresentar para o voo, o instrutor que me acompanhava me disse feliz da vida: “A gente se deu bem com a troca de programação! O voo chega de volta ao Rio às 10 da manhã do dia 25. Ainda dá pra pegar o almoço de Natal!”
Quando fomos assinar a folha de apresentação (naqueles tempos jurássicos não tinha computador para passar cartão), uma surpresa. Toda a tripulação tinha sido reprogramada. Ao chegar em Belém prosseguiríamos no mesmo avião para Caiena, depois Paramaribo e retornaríamos a Belém para pernoitar.


Hein??? Onde???
Para quem não se lembra dos tempos de escola, e de fato a  gente até se esquece desses nossos vizinhos, Caiena é a capital da Guiana Francesa, e Paramaribo a capital do Suriname, antiga colônia holandesa.
Notei que a tripulação ficou contrariada. O comandante tentou argumentar, os demais comissários também. Mas eu, por ser nova na área não compreendi bem o porque. Pensei com meus botões que até que seria interessante pousar em dois países desconhecidos numa mesma noite.
Chegamos em Belém às onze e meia da noite. Foi o tempo de desembarcar os passageiros que vieram do Rio e embarcar os que iam para Caiena e Paramaribo. O avião estava lotado e eu sem entender o que tanta gente ia fazer naquele fim de mundo nas véperas do Natal. Havia passageiro de toda a espécie.Tinha indianos vestidos a caráter que reclamavam porque não tinham refeições vegetarianas para eles, tinha alguns com fortes traços indígenas, tinha africanos legítimos, e não afro-descendentes,  tinha europeus falando francês e inglês, tinha até brasileiros!


Pousamos em Caiena, alguns passageiros ficaram por lá e a maioria seguiu para Paramaribo. Chegando lá, todos desembarcaram e entraram outros passageiros, novinhos em folha, com a mesma variedade étnica.


A essa altura deviam ser umas  quatro horas da manhã, e a tripulação cantarolava a Melô do Marinheiro dos Paralamas do Sucesso com uma pequena modificação: "Entrei de gaiato no avião. Entrei, entrei, entrei pelo cano."


Pousamos de volta em Belém por volta das seis da manhã do dia 24. Nem preciso dizer que eu estava no bagaço... Mas todo mundo tentava entrar no clima, e combinamos para mais tarde uma reunião no quarto de alguém para passarmos juntos a noite de Natal.


Como o hotel não dava ceia de cortesia (tripulante adora cortesia!), e na noite de Natal seria dificil encontrar um lugar legal, acabamos ficando no quarto de alguém (não me lembro quem), comendo amendoim e bebendo cerveja. 


No dia seguinte pela manhã, já dentro do avião com passageiros embarcados, um barulho estranho em uma das turbinas.
Uma colega mais experiente passa por mim e sinaliza com o polegar para baixo. Ferrou!
Mais uma tentativa e o ruído da turbina fica ainda mais estranho.  Estranhíssimo, pensava eu sentada no jump seat. Ao meu lado uma outra colega, gaúcha, que tinha planos de pegar o voo para Porto Alegre assim que chegássemos no Rio, começou a chorar. Estava com a mala cheia de presentes para a família, o pai faria um belo de um churrasco.
E chama os mecânicos para ver qual era o problema, e testa a turbina de novo. Ainda não foi dessa vez. E mexe daqui, mexe dali, tem que trocar uma peça, mas tem que esperar a peça chegar de Manaus…
Resumindo: Pousamos no Rio às quatro da tarde, seis horas de atraso. Almoço de Natal nem pensar! Só no próximo ano.
Ou não…


Obs. Meus queridos leitores devem estar pensando que eu devo ser uma pessoa muito azarada, pois todas as minhas "primeiras vezes" na aviação foram problemáticas, vide Meu primeiro voo internacional. Realmente eu já parei para pensar se isso é uma questão cármica,  se Deus gosta de me botar à prova para me testar ou se é um mero acaso. Não cheguei a nenhuma conclusão definitiva. Mas agradeço a Ele pelos 20 anos sem sofrer nenhum acidente ou incidente sério e pelo fato de nunca ter precisado colocar minha vida em risco, e nem a vida de outras pessoas. Então considero esses contratempos que me ocorreram como um aprendizado para me tornar uma pessoa melhor e mais tolerante. Se eu consegui, isso eu não sei!


sábado, 26 de novembro de 2011

Dezembro: mês oficial do stress!

Os últimos dias do mês de Novembro são de muita ansiedade para os tripulantes. O motivo de tanto choro e ranger de dentes é a espera da publicação da escala do mês de Dezembro.

De acordo com a regulamentação do aeronauta, a escala mensal de voo deve ser publicada com uma antecedência mínima de dois dias antes do primeiro dia do mês posterior. Isso significa que a escala de Dezembro deve ser publicada no máximo até a manhã do dia 29 de Novembro.

Como Dezembro é mês der alta temporada, muitos voos extras, mudanças de última hora na programação, etc. e tal, é certeza de que a escala vai sair no último minuto!

O  motivo de tanta expectativa são as festas de fim de ano. "Onde estarei no Natal?" "E no Ano Novo?" Por mais que as pessoas se digam desapegadas das tradições familiares, que não ligam para Natal, que não se incomodam em ficar longe da família, na hora H percebem que as coisas não são bem assim.

Uma coisa é você passar as festas longe da família por opção sua. Ir para um lugar de sua escolha, estar com pessoas que você escolheu, ou até mesmo ficar sozinho, mas por vontade própria.
Outra bem diferente é passar essas datas em locais que foram determinados, com pessoas que não foram escolhidas por você.

Nós podemos até tentar entrar no clima do elemento surpresa: "Legal! Sem problemas! O resto da tripulação também vai estar sozinho, a gente se reúne e comemora!"
Mas pode acontecer de nem todo mundo estar na mesma vibe... E você passar sua noite assistindo ao especial de Natal do Roberto Carlos pela TV no seu quarto de hotel. Se estiver no Brasil.

Os mais descolados não se apertam e saem sozinhos mesmo. Esquecendo-se de que para o resto das pessoas aquelas datas são passadas em família, e com isso os lugares que em dias normais são badalados, naquelas datas vão estar às moscas com meia dúzia de gatos pingados enjeitados.

As empresas de grande porte geralmente permitem que o tripulante escolha uma data para folgar. Natal ou Ano Novo. Quem escolhe o Natal voa no Ano Novo, e vice versa. Mas não é cem por cento garantido do tripulante ganhar a folga solicitada! Quem tem pouco tempo de casa corre grande risco de voar nas duas datas. E mesmo os "antigões", por algum erro de escala podem não ter os pedidos atendidos.

Muito pior do que estar voando nessas datas é estar de reserva! Aí é tortura em alto grau! Não se sabe se vai ou se fica e não pode planejar nada com ninguém.

Depois da escala publicada não adianta chorar! Pode xingar, bater boca com a escala, dizer que foi injustiçado, etc. Pode até tentar trocar com alguém, mas vai ser difícil!

Enfim, faz parte! O stress que o tripulante sofre já foi comentado no post  Vai começar a pauleira.  Quem escolhe esse caminho não escolhe apenas uma profissão. Escolhe também um modo de vida. Você pode optar entre ficar estressado ou relaxar e deixar fluir. Se você quiser ser feliz na sua escolha de vida, eu aconselho a segunda opção.

Nos próximos posts, em homenagem à essa época natalina, escreverei sobre as festas de fim de ano que eu passei voando.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Relacionamentos e aviação


"Relacionamento não é aquela coisa colorida onde tudo se encaixa perfeitamente. O nome daquilo é Lego!" - sabedoria popular da net
 Muita gente se pergunta se é possível para um tripulante manter um relacionamento estável. O fato de passar vários períodos longe de casa, de estar sempre voando de um lugar para o outro e de estar cercado de pessoas bonitas, ou pelo menos interessantes não prejudicaria? E a tentação de dar uma "pulada de cerca", já que o que os olhos não veem o coração não sente?

A percepção daqueles que entram na aviação é de que vão encontrar "um mar de solteiros", como definiu o comissário Filipe Eloy em seu blog É tanto que transborda, leitura obrigatória para quem tem interesse em seguir a carreira.

Mas logo se vê que as coisas não são bem assim. Na verdade o número de tripulantes casados ou em  relacionamento estável ultrapassa o de solteiros, aí incluídos também os pilotos.

Essa estatística se deve a uma série de fatores, mas creio que o principal é aliviar a solidão que acomete esses profissionais.

Já comentei aqui em outros posts que, apesar do glamour, das viagens e das oportunidades de ter contato com várias pessoas, a profissão de aeronauta é muito solitária. Por isso a necessidade de ter alguém para chamar de seu, de ter um porto seguro, um lar para onde voltar, descansar e repor as energias para mais uma jornada.

Tripulantes, assim como os artistas, se casam muito entre si. O afastamento do grupo de amigos "terráqueos" é inevitável, e o convívio constante com os colegas também. Isso favorece os relacionamentos. Tem muitas comissárias casadas com pilotos ou com comissários, assim como casais homossexuais assumidos.

É um relacionamento com menos atritos, digamos assim, pois um conhece a rotina do outro. Por isso as cobranças são menores. Alguns casais solicitam escala fixa, mas não porque se amam de paixão e um não vive sem o outro rsrs... Mas por questões mais práticas, como morar longe do aeroporto e ter um carro só.
Deve-se ter cuidado porque nada como a convivência H24 para desgastar um relacionamento!

Os que se casam com pessoas que não são da aviação enfrentam atritos maiores, principalmente as mulheres. Homens são menos flexíveis em relação à rotina de trabalho da mulher comissária. Muitas vezes não entendem como é que a mulher chegou de viagem ontem e hoje já vai voar de novo e só volta dali a três dias! Ou então acham que são candidatos a chifrudos. É preciso ter maturidade e equilíbrio, além de confiança total um no outro. E volta e meia fazer o famoso DR (discutir a relação) rsrs... É preciso acima de tudo RESPEITO pela pessoa que escolheu estar a seu lado.

Muito importante também é o casal ter objetivos comuns. Pode ser desde comprar um imóvel até planejar uma viagem de férias. E uma vez alcançado o objetivo, cria-se outro, e mais outro.

Como muitas vezes a solidão e a carência andam juntas, é comum tripulantes caírem em ciladas por causa dela.

As comissárias podem atrair maridos chupins - expressão do tempo da minha avó - mas não achei outra melhor para definir homens que não são muito chegados ao batente, porém tem uma boa lábia e se fazem de imprescindíveis na vida da comissária carente. Por isso é preciso ser racional e estar atenta para não entrar nessa furada! Como se diz por aí: Treino é treino. Jogo é jogo. rsrs

Assim como o marido chupim, também existem as mulheres oportunistas que estão sempre rondando os tripulantes. Os pilotos são as maiores vítimas, pois são considerados "bons partidos" pela remuneração que recebem. Mas os comissários também não estão livres! Pode acontecer do comissário se apaixonar por uma mulher que trabalha, tem sua carreira e é independente, e pouco tempo depois do casamento essa mulher se desliga do emprego por qualquer razão, vira madame e passa a viver do salário e dos benefícios da profissão do marido. Maior propaganda enganosa!

O velho clichê do "piloto com a aeromoça", apesar de muito aumentado no imaginário popular, até existe. Eles jogam a isca, se colar colou. Tem as que se fazem de desentendidas. Tem as que fingem morder a isca mas na verdade quem acaba sendo fisgado são eles quando elas se tornam as "patroas" rsrs. E tem aquelas que ainda acreditam na velha história, mais velha do que a do piloto com a aeromoça, de que um dia "ele vai largar a mulher para ficar com ela".

Enfim, o ambiente da aviação, como qualquer outro meio adulto, não é puro nem inocente. Mas está longe de ser aquela orgia desenfreada que muita gente pensa.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Filhos, trabalho e culpa

Para muitos pode parecer que a maternidade é incompatível com a profissão de comissária. Em tempos mais remotos essa percepção era tão certa que as "aeromoças" quando se casavam tinham que pedir demissão. Não era a toa que elas eram sempre aeroMOÇAS! rsrs

Mas eram outros tempos. Tempo em que muitas mulheres não trabalhavam fora, e as que trabalhavam ou estudavam deixavam de faze-lo quando se casavam para priorizar a família e os filhos que viriam.

Hoje os tempos mudaram. As mulheres trabalham fora não mais por opção, mas por necessidade mesmo. Quando são casadas, muitas vezes o salário do marido não é suficiente para sustentar a casa e os filhos. E por falar em filhos, a maternidade deixou de ser vinculada ao casamento. As mulheres tem filhos e continuam solteiras, ou se separam com os rebentos ainda pequenos.

Toda mãe que trabalha fora se sente culpada quando deixa o filho aos cuidados de terceiros. Fato. A função de mãe está ligada à culpa desde tempos imemoriais. A mãe é sempre a culpada de tudo!
Se o filho é um delinquente: culpa da mãe que não estava presente na formação dele!
Se o filho é mimado e imaturo: culpa da mãe que fazia todas as vontades dele!
Se vai mal na escola: culpa da mãe que não acompanha os estudos dele!
Se é estudioso, centrado e inteligente: a mãe não fez mais do que a obrigação!

A comissária pode perfeitamente conciliar o trabalho com a maternidade sem causar traumas nem deixar sequelas em ambos (mãe e filho).

Ao ser detectada a gravidez, a comissária deve notificar a empresa e sair da escala de voo. Comissárias não podem voar grávidas, não por causa do voo em si, mas pela natureza do trabalho a bordo que requer esforço físico.
Enquanto estiver afastada a funcionária recebe da empresa um salário maternidade, que consiste no salário em carteira, sem as horas de voo.

Como o INSS não considera gravidez como doença, e de fato não é, o salário maternidade é pago até o oitavo mês de gestação, quando após a perícia feita no CEMAL ou outro órgão responsável pela emissão do CCF, a comissária inicia a licença maternidade de 120 dias assegurada por lei a todas as mulheres que trabalham no regime de CLT.

Na prática a mãe comissária fica quase um ano afastada do trabalho, pois é costume emendar as férias na licença maternidade, barganhar mais uns 15 dias se o pediatra atestar que a criança precisa...

Até aí, tudo bem. Mas vai chegar a tão temida hora de retornar à escala de voo! Afinal, trabalhar é preciso!

A maioria das comissárias ou já são mães, ou um dia irão se tornar.

Apesar de saber que cada caso é um caso, que cada uma sabe aonde o calo mais aperta, que os conselhos para umas podem não servir para outras, e que se conselho fosse bom ninguém dava, só vendia, esse blog é dedicado para aqueles que voam, já voaram ou pensam em voar.
Então eu não poderia me furtar a deixar aqui registrado algumas dicas, sugestões e conselhos grátis de alguém que já passou pela experiência e já sentiu na pele toda culpa e toda a angústia, mas que sabe que tudo isso valeu a pena.
Os conselhos a seguir são baseados em experiências próprias e de outras comissárias mães, guerreiras e dedicadas que generosamente compartilhavam as vivências com as companheiras de jornada.


  • Tente (pelo menos tente) manter o corpo em forma durante a gravidez. Nada de achar que você tem que comer por dois! Lembre-se de que você vai ter que caber dentro do uniforme quando retornar.

  • Mesmo que você tenha ajuda de terceiros, procure uma creche para seu bebê por meio período. Existem creches que aceitam bebês a partir de seis meses. Procure uma próxima da sua casa. Se tiver referências melhor. Se não tiver, peça para conhecer as dependências, converse com pedagogas e psicólogas, faça visitas surpresa, converse com outras mães que tem filhos lá. É importante para criança se socializar desde cedo, além de não sobrecarregar a pessoa que está te ajudando, porque afinal de contas a mãe é você e não ela!
  • Obs. Não se iluda pensando que a sua mãe vai ter sempre a maior boa vontade em te ajudar. Volta e meia elas reclamam mesmo, porque uma coisa é ser avó e só paparicar o netinho, outra coisa é ficar no seu lugar de mãe enquanto você está voando.

  • Ao contratar uma empregada, faça isso enquanto estiver de licença maternidade para poder observar de perto a postura dela e como seu filho reage a ela. Explique como será sua rotina quando você retornar ao trabalho. Deixe claro que você trabalha aos domingos e feriados e pergunte se ela está disposta a encarar essa rotina. Você pode compensa-la com folgas durante a semana.  
No quesito empregada doméstica vale ressaltar que nem sempre elas cumprem o prometido!  Enquanto você está de licença está tudo bem, mas no primeiro domingo ou feriado que elas tiverem que trabalhar, pode acontecer de roerem a corda e mudarem de idéia. Por isso esteja muito segura da pessoa que contratar!

  •  Não pense que só porque seu filho ainda é um bebê ele não vai sentir sua ausência. Crianças muito pequenas manifestam suas emoções somatizando febre alta, erupções cutâneas, vômitos, etc. Prepare-se para a possibilidade de chegar de voo e ter que decolar novamente rumo ao pediatra com seu filho no colo. Tenha em mente que isso é uma fase e vai passar. Não se sinta culpada (pelo menos tente!).

  • Em uma determinada fase pode acontecer de seu filho começar a chorar toda vez que você vestir o uniforme. Isso acontece por volta dos três anos, mas pode variar. Resista para não chorar também. Faça das tripas coração, fale com ele com muita calma e carinho, mas com firmeza, que a mamãe tem que sair para trabalhar, mas que sempre vai voltar para ficar com ele. Não ceda aos apelos, a não ser que ele esteja realmente doente. Se você ceder, ele vai entender que essa é a maneira de manter a mamãe perto dele e continuará fazendo. Lembre-se novamente de que isso é uma fase e também vai passar!

  • Sei que é inútil dizer para uma mãe que se sente culpada por estar longe do filho para evitar trazer presentes toda vez que chega de voo! Claro que você vai ver um monte de coisas bonitas e diferentes que seu filho vai gostar! E que você vai comprar essas coisas! E vai ter o impulso de abrir a mala assim que chegar em casa para mostrar os presentes, como forma de compensar sua ausência. E com isso a criança vai associar sua chegada aos presentes que ela vai ganhar! E ao invés de você, o interesse dela vai estar concentrado na sua mala!
Então faça o seguinte: Compre os presentes que você quiser, mas não dê ao seu filho de imediato. Guarde para dar em um dia especial, como aniversário, dia das crianças ou algo assim. Vá juntando o que você trouxer e dê nesses dias. Presentear o filho uma vez ou outra quando se chega de voo não tem problema. Mas fazer disso um hábito não é benéfico nem para a criança, que se torna interesseira e nem para a mãe, que se vê na obrigação de sempre comprar presentes.

  • Quando seu filho tiver idade suficiente, leve-o em um voo que você esteja tripulando. Assim ele vai poder ver como é seu ambiente de trabalho, o que você faz a bordo e ainda vai poder curtir um pernoite com você no hotel (eles adoram hotéis!) e dependendo do voo fazer alguns passeios. Eu levei meu filho comigo pela primeira vez quando ele tinha quatro anos. Era um voo para Manaus com escala em Brasília, e o pernoite era em um hotel maravilhoso. Ele adorou e se comportou bem a bordo. Os colegas ajudam e às vezes até os passageiros. Depois disso fiz voos mais longos com ele, para Europa e Estados Unidos.

No final de tudo, eles sentem muito orgulho de nós! E ainda tiram onda com os amigos contando das viagens que eles fizeram. O mundo se abre para eles também, pois a oportunidade de ter contato com outras culturas e visitar outros países não tem preço e faz uma grande diferença na formação do caráter deles e na visão que eles terão do mundo e das pessoas.

E isso faz todo sacrifício valer a pena!

sábado, 22 de outubro de 2011

Dia do Aviador

No dia 23 de Outubro de 1906, o brasileiro Alberto Santos Dumont a bordo do 14 Bis decolou do Campo de Bagatelle em Paris e percorreu 60 metros, voando a uma altura de cerca de três metros do solo na frente de centenas de testemunhas.
Com esse feito ganhou a taça Archdeacon e a prova para aparelhos mais pesados que o ar, nome que os futuros aviões tinham na época.

O 14 Bis, que levou cerca de dois meses para ser construído, foi o primeiro avião do mundo a realizar um voo completo: decolagem, o voo propriamente dito e pouso.

Porém, a autoria da invenção do avião foi atribuída a dois irmãos americanos, os irmãos Wright, por questões nacionalistas e de outros interesses em jogo.

Santos Dumont, por sua personalidade idealista nunca patenteou seus inventos. Preferiu coloca-los à disposição de quem quisesse construi-los e utiliza-los.

Para os brasileiros Santos Dumont É o Pai da aviação, mesmo que o mundo diga o contrário. Por isso o dia 23 de Outubro no Brasil é o Dia do Aviador.

Graças a esse homem genial, controverso e idealista hoje podemos realizar o sonho ancestral da humanidade de voar sem ter asas. E quem já experimentou o gosto de voar não consegue mais ficar com os pés na terra sem olhar para o céu.

"Haverá hoje, talvez, quem ridicularize minhas previsões sobre o futuro dos aeroplanos. Quem viver, porém, verá..." Alberto Santos Dumont. Paris, França - 1905.

sábado, 15 de outubro de 2011

Coisas que nos irritam - Encomendas



Se há algo que irrita tripulantes em geral, em especial os comissários por serem os mais procurados, são as encomendas que as pessoas fazem sempre que eles vão viajar.
  Pelo fato do comissário ter acesso fácil a bens de consumo em outros países, tem gente que pensa que eles tem obrigação de aceitar encomendas, por mais estapafúrdias que elas sejam.

Vou transcrever aqui um texto que apesar de não ser meu não poderei dar os créditos, pois encontrei na internet e não constava o autor. Mas resume perfeitamente esse péssimo hábito que o povo tem de fazer encomendas aos que vão viajar. O texto se refere àqueles que viajam a turismo, mas é só multiplicar por 1000 para se ter uma idéia de como isso irrita os comissários:
"Fazer encomendas a quem viaja é um dos costumes mais antigos que existem.

E põe antigo nisso. Fazer encomenda é do tempo em que se tinha medo de avião. Do tempo em que família, a família da namorada, algumas ex-namoradas e o prédio inteiro iam se despedir de você no aeroporto — até na ponte aérea. Do tempo em que o exterior era conhecido como “o estrangeiro”. Do tempo em que produto importado era não apenas raro, como na maioria das vezes ilegal.

Hoje em dia, dependendo da natureza do pedido e do grau de relacionamento entre o pedinte e o viajante, a encomenda pode variar entre: 

1) um mau costume; 

2) uma total falta de educação.

Na hora de pedir — e de aceitar — uma encomenda, ninguém se dá conta do transtorno que vai ser, em algum momento da viagem, parar para pensar na encomenda, andar para comprar a encomenda, achar a encomenda, conferir as especificações da encomenda, pagar a encomenda, empacotar a encomenda, fazer a encomenda caber na mala, carregar a encomenda, passar pela alfândega com a encomenda.
A última vez que eu fiz uma encomenda, foi para uma (ex) funcionária minha que tinha acabado de pedir demissão e ia passar uma semana em Paris. Como você vê, ela merecia.
As encomendas enganam. 
As que parecem fáceis demais sempre têm dois ou três modelos para você escolher (e ninguém te falou isso antes). Com as super-especificadinhas, é batata: a linha foi renovada, mudaram os nomes e as embalagens, e esqueceram de avisar a pessoa que te fez a encomenda. Outras encomendas até que fazem sentido no calor do momento, mas acabam ininteligíveis na hora que você retoma o assunto e vai comprar: o que era aquilo mesmo que ela falou?
 Resista. Mude de assunto. Tenha uma vontade súbita de ir ao banheiro, e suma. Se for para perder o amigo, melhor que seja agora do que na volta (depois do trabalhão que a encomenda vai ter dado). Se você quiser lançar mão de desculpas e subterfúgios educados, aqui vão alguns.
• Peça o endereço da loja. Endereço completo, por favor. Se for necessário, seja acometido por uma amnésia rápida: Broadway? Como assim, Broadway? Ou mude-se mentalmente para o outro lado da cidade e prometa que, se passar por lá, vai tentar, quem sabe se tudo correr bem, achar.

• Peça por escrito. “Você me passa depois tudo direitinho por escrito?”. E não esqueça de desligar o fax.

• Se o pedinte for seu superior hierárquico ou parente mais velho: minta. Minta deslavadamente. Fale que você procurou feito um doido mas não achou. Descreva todas as coisas que você supostamente deixou de fazer só para procurar a encomenda. Misture as letras da marca encomendada, e diga que ninguém nuuunca ouviu falar desta marca lá onde você foi.
 • Se você aceitar a encomenda e depois se arrepender: não traga nada. Compre mais um exemplar deste elucidativo compêndio e dê de presente — com um post-it amarelinho colado na página inicial deste capítulo."
Em relação a encomendas, vou acrescentar algumas coisas que deixam os comissários loucos da vida. Geralmente as encomendas não vem acompanhadas de dinheiro. É na base do "compra aí que na volta a gente acerta". E na hora do acerto muitas vezes saímos perdendo. A compra foi feita em Dólares ou Euros, e o pagamento é em Real com câmbio defasado! Isso quando não se leva calote. A pessoa faz a encomenda e passada a euforia do momento se arrepende. E aí não te atende mais ao telefone, manda dizer que não está, some do mapa!

Outra coisa irritante são os "favores" que as pessoas acham que comissários tem que prestar, já que "vivem viajando mesmo".

Como no caso da esposa de um conhecido que tinha um salão de beleza, e perguntou se eu poderia trazer para ela três potinhos de um creme para cabelos. Eu não precisaria fazer nada. O irmão dela que morava em Nova York passaria no meu hotel e deixaria os cremes. Ao perguntar qual era o tamanho dos potes fui informada de que eram mais ou menos do tamanho de uma lata de refrigerante.

Resumindo a história, o irmão passou no hotel tarde da noite, e para não me acordar deixou os cremes na recepção. No dia seguinte quando eu peguei, constatei que cada "potinho" do tal creme, além de ser bem maior do que uma lata de refrigerante, pesava pelo menos três quilos! Ódio!

Fora os telefonemas que você recebe de gente que você nunca ouviu falar se apresentando como "primo do vizinho da cunhada da sua amiga", aquela sua amiga muy amiga que deu seu telefone, te pedindo para comprar um remédio específico, ou pior, para levar alguma encomenda para alguém.

Como muitos dos que acessam esse blog tem interesse em ser comissário, vou deixar aqui dois conselhos que dou de graça:

1) NUNCA aceite levar pacotes de terceiros para alguém, principalmente se o voo é para o exterior. Nem se for um ursinho de pelúcia para a netinha de uma avozinha muito simpática e querida. Mas se for impossível escapar dessa cilada, abra o pacote e confira detalhadamente o conteúdo. Comissários são muito visados para transportar coisas ilícitas. Até você explicar que focinho de porco não é tomada...

2) Não tenha receio de recusar encomendas de ninguém. Nem da sua mãe! Às vezes até a mãe da gente perde a noção. Diga um NÃO bem redondo! Se a pessoa ficar magoada e ofendida, azar o dela. Antes ela magoada do que você irritado(a), estressado(a) e cheio(a) de rugas!


 

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Saudades dos tempos da Pan Am...

Uma nova série estréia na ABC, rede de TV americana. Não sei quando ou se vai chegar às terras tupiniquins, mas quem puder baixar no Tio Tube, no site da ABC ou conseguir com um amigo que mora na América, vale super a pena!

Era uma vez uma época glamourosa, nos distantes anos 60, onde a galera curtia sexo, drogas e rock'n'roll, mas também era um tempo em que as mulheres, inclusive as comissárias tinham o direito de serem mulézinhas, e não a multimulher que somos obrigadas a ser agora.

Era uma vez um tempo em que póóóbre passava longe de avião, e onde viagens aéreas eram privilegio de poucos.

Milton Nascimento (aquele que estava mais perdido do que o cego Stevie Wonder em tiroteio no Rock in Rio) fez uma canção chamada "Saudades dos aviões da Panair". 
Eu não me lembro da Panair. Quando ela foi "falida" pela ditadura militar eu era muito pequena para me lembrar de qualquer coisa.

Mas da Pan American eu me lembro bem! Lembro do glamour e também da queda. E por causa disso eu sei que o mundo é redondo, e que tudo se desloca. (Quem leu As Brumas de Avalon sabe do que eu estou falando). Um dia você dorme rei, no outro acorda mendigo.




Como sugestão de filmes que valem a pena para quem gosta ou quer entrar na aviação, sugiro Prenda-me se for Capaz, com Leonardo Di Caprio e Tom Hanks.


O tema principal do filme não é a aviação. Mas eu garanto que vocês vão gostar. E muito!!!

Para quem quiser baixar a série legendada, ela está disponível AQUI, ou no  Portal Meio Aéreo

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Pernoites


Lendo um post do blog É tanto que transborda do comissário Filipe Eloy, me veio à memória os pernoites, que são parte importante da vida de um comissário.

Segundo o dicionário, pernoite significa passar a noite onde não é costume passa-la. Para tripulantes pernoitar é parte da rotina e os hotéis são como uma segunda casa.

Existem hotéis onde a gente se sente mais confortável, e isso não tem necessariamente nada a ver com luxo, mas com a acolhida que recebemos no local.

Quando começa a voar, o comissário neófito quer mais é bater perna, conhecer tudo, aproveitar ao máximo a oportunidade de estar em outra cidade ou país. Os colegas mais antigos geralmente o apresentam aos lugares frequentados pelos tripulantes, ensinam dicas de como fazer a diária render comprando e comendo mais barato. As horas de repouso depois da jornada de trabalho são aproveitadas com tudo, menos com repouso. Afinal, quem vai pensar em dormir quando o mundo está lá fora esperando?

Mas o tempo passa. O que era novidade deixa de ser, e até a mais sedutora das cidades pode se tornar uma rotina penosa. Sem contar que, passados os momentos de êxtase e de euforia, muitas vezes levamos para os pernoites problemas pessoais que ficaram pendentes para serem resolvidos quando voltarmos. Ou então o cansaço se torna maior do que a vontade de conhecer. E muitas vezes não podemos contar com nossos colegas de equipe para um desabafo, ou apenas para jogar conversa fora.

É aí que entra o maior inimigo do tripulante: a solidão! Já falei disso em outros posts, O outro lado da moeda Parte 2 e Comissários: Modus Operandi-parte 2.

É fundamental não ficar alimentando a deprê! Quanto mais a gente se sente miserável e desgraçado, mais a gente se torna. Se você está naqueles dias em que acha tudo e todos sem graça e quer mais é encontrar um buraco para se enfiar, ou se simplesmente está cansado demais para sair é bom ter um kit-pernoite na mala!

Para quem gosta de ler, nada melhor do que um bom livro para nos fazer companhia e nos transportar para um mundo onde nossos problemas não existem. Livro era um ítem que não podia faltar na minha bagagem, e devo dizer que era muito mais prazeroso ler nos pernoites do que na minha própria casa com interrupções a toda hora.

Se você está com a cabeça tão atribulada que nem consegue se concentrar num livro, não tem problema! Providencie um monte de revistas de fácil leitura, tipo Caras, Capricho, Marie Claire, etc. Ou se você é "menino" e não curte fofocas de artistas, pode ser Veja, Época, Isto É. O importante é que a leitura seja de fácil assimilação.

Para quem leva consigo o netbook, não use a internet para entrar no Skype, MSN ou coisa assim para ficar "discutindo relação" e resolvendo pendengas. Pelamordedeus! Use para navegar por águas mais calmas e se distrair. Os problemas podem esperar, eles estarão lá quando você voltar (infelizmente).

Dependendo do hotel e do local onde você se encontra, procure algum filme ou programa interessante na televisão e peça no serviço de quarto uma refeição gostosa para saborear enquanto assiste. Mime-se um pouco e deixe de ser mão de vaca com a diária pelo menos uma vez!

Se tiver banheira, leve na mala sais de banho e relaxe na água morninha!

Para as mulheres ainda tem como opções para aproveitar o tempo ocioso: depilar as pernas, hidratar os cabelos, fazer máscaras faciais, usar cremes esfoliantes para a pele, enfim, todas aquelas coisas que muitas vezes não dá tempo de fazer em casa porque o tempo é curto e a gente tem mais o que fazer.

Quem está fazendo algum curso ou faculdade pode aproveitar para estudar. Acreditem: estudar em pernoite rende muito mais!

Procure relaxar, dormir bem e repor as energias, pois além de ficar lindo(a) e sem olheiras para o voo da volta, você estará mais disposto(a) e revigorado(a) para encarar os "pepinos" que te esperam!


sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Coisas que nos irritam


 É de conhecimento de muita gente que tripulantes reclamam muito. É cultural, faz parte do perfil da profissão. Se você não era muito reclamão antes de começar a voar, vai se tornar. É contagioso. Alguns mais, outros menos, mas reclamar faz parte do contexto.

Isso dá margem a muitos comentários maldosos sobre a classe, alegando que tripulante "chora de barriga cheia", e contribui para alimentar a imagem de antipáticos e arrogantes que o grupo tem perante muita gente.

Essa imagem não condiz com a verdade. A maioria dos tripulantes é composta por pessoas de boa índole, prestativas, generosas,que sabem até rir de si mesmas.
Mas trabalhar com público, ao mesmo tempo que tem seus encantos tem também suas idiossincrasias. Certas atitudes dos passageiros irritam sobremaneira o comissário. Com certeza qualquer profissional que trabalha com público tem sua lista negra de comportamentos irritantes de seus clientes.

Nem vou entrar no mérito do passageiro grosseiro e arrogante, pois esse tipo de gente tira qualquer um do sério.
Relembrando meus tempos a bordo me veio à memória certos comportamentos que pelo que pude constatar não mudam com o passar do tempo e continuam a irritar as novas gerações.

Se você é passageiro, aprenda o que não fazer, mesmo sem querer. Se você é candidato a comissário, prepare-se para o que vai enfrentar. Se você já voa e tiver mais sugestões para a lista, fique à vontade!

O cutucador - Nunca em toda minha vida eu conheci alguém que gostasse de ser cutucado. Aliás nunca conheci ninguém que nem se importasse em ser cutucado. Então por que, oh, Senhor,por que alguns passageiros insistem em cutucar os comissários? Tem boca pra que? Custa chamar: Moça! Aeromoça! Rapaz! Meu camarada! Isso para não dizer um Por favor, porque aí também já é pedir demais!



O navegador- Você está concentrado na função de servir refeições e bebidas, correndo contra o tempo porque a etapa é curta. Aí vem o iluminado com a pergunta: "Onde nós estamos agora?" ou então "Que rio é aquele lá embaixo?" , ou apontando para um monte de mato: "O que é aquilo?"
Como se comissários já soubessem a rota de cór. Todos os rios, todas as montanhas, a exata latitude e longitude do exato momento que nosso passageiro navegador faz a pergunta.
Para a primeira pergunta eu sugiro olhar para ele com cara de total espanto e responder desconfiado: "Estamos dentro de um avião."
Para outras o que não vão faltar são respostas como "É o Rio das Pedras." 
Então se você não quiser ser enganado não faça esse tipo de pergunta a quem não tem condições de responde-las.

O sem-caneta - Esse tipo aparece principalmente em voos internacionais, onde todo mundo sabe que existem formulários que devem ser preenchidos para a entrada no outro país. A criatura vai viajar para o exterior sem uma mísera caneta Bic na bagagem de mão! Então pede a caneta ao comissário, que gentilmente a empresta e quando precisa dela (geralmente com urgência), não a encontra porque o passageiro ficou com ela.
Atenção: Comissários não carregam consigo enquanto executam o serviço nenhuma bolsa repleta de canetas! Geralmente todos tem uma no bolso, pois é essencial. Se tiver outras, estas estarão guardadas em sua bagagem de mão que fica em local distante ou inacessível no momento em que ele precisar da caneta.
Por isso, querido passageiro, ao viajar leve sempre consigo uma caneta. Coloque-a junto do passaporte para não esquecer. E nunca pergunte ao comissário "como é que um comissário de voo internacional não tem uma caneta para emprestar?".  Você pode ouvir como resposta: "Não tenho porque perdi todas emprestando para passageiros de voo internacional."



O ínconveniente - Mais comum de se encontrar em voos mais longos, onde há um intervalo entre dois serviços de bordo, ou entre o final do serviço de bordo e o pouso. Após servir refeições e bebidas a duzentos passageiros, é a vez do comissário tentar consumir algum alimento. Ao contrário do que se pensa, aviões não são parecidos com transatlânticos. Não há áreas reservadas. O espaço é pequeno e a tripulação tem que comer improvisando uma privacidade relativa. O comissário pega sua bandeja e procura algum canto para se sentar. Uma caixa, uma mala, o jump seat. E lá está ele mal acomodado comendo a refeição insossa, quando o passageiro o descobre nesse momento de intimidade e resolve que aquela é a tão esperada hora de "conversar com uma aeromoça".
Ele não percebe que aquele é um momento de paz. Um momento em que o que o comissário mais deseja é ficar calado, consigo mesmo, repondo as energias. E o mala sem alça começa o questionário: "Quantos países você conhece?" "Quantos voos você faz por mês?" "Vocês tem família?" "Você não tem medo?" E por aí vai o interrogatório.
Quando o comissário está disposto a uma conversa, ele mesmo puxa assunto. Se ele está comendo ou responde com monossílabos, pode ter certeza de que você está sendo inconveniente.




O porcalhão - Nada mais desagradável do que você estar manuseando alimentos e aparecer um sem-noção colocando na sua mão um lixo qualquer. Um saco com restos de comida ou com papéis rasgados pedindo para você jogar fora. Justamente na hora em que você está servindo aos demais passageiros e não tem lugar para desovar o lixo. Pior é quando te dão nesse momento fraldas usadas, lenços de papel usados ou (argh!!!) sacos de enjoo usados!



Os pais desencanados - Viajam com os filhos e deixam os pimpolhos circularem livremente pelo avião esbarrando em tudo, tropeçando em tudo e enchendo o saco de todo mundo, enquanto fingem que estão dormindo e esperam que os comissários sirvam de babá para os rebentos.





O carente - A hora do embarque é o momento de maior stress e trabalho para os comissários que devem ficar atentos a qualquer sinal que possa comprometer a segurança e o bom andamento do voo. Além disso é função dos comissários agilizar a acomodação dos passageiros, evitando situações como assentos trocados, bagagens em saídas de emergência, e tudo o mais que possa atrasar a decolagem.  O carente mal pisa no avião e já pede um copo d'água, um remédio para dor de cabeça ou para enjoo. Será que não dá para esperar até que todos estejam acomodados para começar o aluguel?



O habitué - Ele tem cartão fidelidade da empresa, viaja toda semana e se sente dono do avião e dos comissários. Sabe de todas as rotinas, questiona quando alguma coisa sai diferente do habitual. Até aí nada demais. Mas se ele começar a agir como "sinhozinho", é melhor situa-lo no contexto e lembra-lo de que estamos no século 21, que a escravidão já acabou há muito tempo e que o fato dele ser um passageiro frequente pode até lhe dar milhagens, mas não lhe dá o direito de ser arrogante.





Quem tiver mais tipos para acrescentar à lista pode ficar à vontade!





quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Momentos saia justa

A amiga pergunta: -Vamos ao cinema amanhã?
-Amanhã não vai dar. Estou indo voar.
-Vai pra onde?
-Paris.
-Mas você é muito metida mesmo, né? Fica esnobando a gente! Nojenta!
Tipo de situação que eu sempre detestei! Para que pergunta se não quer saber a resposta, cacete! Várias vezes eu pensei em mentir e dizer que ia para Macapá ou coisa que o valha. Mas vai que alguém me achasse metida também... Melhor metida do que mentirosa.

Acordar das profundezas de um sono em um quarto de hotel escuro e não se lembrar de aonde você está. Vários segundos se passam até o cérebro pegar no tranco e colocar os sentidos para funcionar. Olfato, tato, audição. Segundos que parecem horas até você encontrar o interruptor e acender alguma luz.
Bem vindo ao jet lag!

O que fazer quando se está servindo um copo de Coca Cola a um passageiro, o primeiro copo de uma garrafa Pet de dois litro, e a garrafa escapa da sua mão, cai de "bunda" no chão e o líquido explode tal qual champagne em comemoração de vitória da Fórmula Um, dando um banho no passageiro?
Desejar uma despressurização explosiva para mudar o foco do momento? Tentar abrir a porta da aeronave para se jogar de lá de cima? Implorar desculpas?
Optei pela última. E por sorte o passageiro era uma criatura iluminada, dessas que são difíceis de se encontrar e acabou até achando graça da minha cara de desesperada.
Milagres acontecem...

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Base Rio!


A notícia ainda é meio AFA, mas já está ganhando terreno e se tornando mais concreta. E pela minha experiência, uma AFA repetida várias vezes acaba se tornando verdade.

As companhias aéreas vão implantar base para tripulantes no Rio de Janeiro. A Tam, ao que tudo indica será a primeira, mas outras virão logo atrás.

Em um país do tamanho do Brasil, com dimensões continentais, nada mais sensato do que fazer base de tripulantes em outros estados. Para que concentrar tudo em São Paulo, obrigando funcionários a se deslocarem para lá e para cá com o passe de tripulante?  Mesmo sendo isso direito adquirido esses funcionários ainda tem que passar por constrangimentos, como foi a matéria de uma cavalgadura que se diz jornalista intitulada Os caroneiros dos ares.

A base Rio ainda é pouco para atender a demanda de um país com um território do tamanho do nosso. O mais correto seria criar bases de tripulantes em outras cidades estratégicas como Brasília, por exemplo. O aeroporto de Brasília é onde se faz a maioria das conexões de voos vindos do Sul e do Sudeste com destino ao Norte e Nordeste e vice versa. Uma base de tripulantes lá seria sensato e facilitaria a vida não só dos tripulantes mas também dos usuários.

A justificativa de não criar outras bases para tripulantes por ser muito oneroso nunca me convenceu. Outras empresas tiveram durante anos bases em diversos estados. Para mim isso tem cheiro de jogada política, de concentrar o poder e o dinheiro e na mão de poucos e não correr o risco de perde-los ou dividi-los.

Então vamos todos mentalizar para que a AFA em breve se torne realidade! Amém e Namastê!

Atualizando: Gente, a mentalização funcionou! A base Rio da Tam agora é uma realidade! A princípio somente os tripulantes que já trabalham na empresa podem se cadastrar, apresentando um comprovante de residência. O critério para a transferência de base deve ser a antiguidade. Mas a porta se abriu, e nas próximas seleções os candidatos podem ter a chance de optar.
Eu não disse que uma AFA repetida várias vezes se torna verdade? Não falei? Não falei? rsrs
A Base Rio começa a funcionar em Outubro.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

A bordo da Webjet

Quando eu falei que ia viajar de Webjet os comentários das pessoas foram mais ou menos assim: "Nossa, você tem coragem?" ou "Vai passar fome! Agora o serviço de bordo é todo pago!" ou ainda "Os assentos não reclinam, você vai chegar moída!"


As duas últimas frases são verdade. O serviço de bordo é nos moldes das companhias aéreas de baixo custo da Europa e Estados Unidos. Quer comer? Então tem que pagar. Até a água é cobrada. Os assentos não reclinam porque foram acrescentadas mais fileiras de assentos no avião para aumentar sua capacidade. Também seguindo os padrões das companhias aéreas de baixo custo da Europa e Estados Unidos.

O que eu não entendo é o povo brasileiro, que vive alardeando que tudo no "primeiro mundo" é melhor, as empresas aéreas estrangeiras é que são maravilhosas, que o Brasil é isso, que o Brasil é aquilo. Mas na hora de meter a mão no bolso para pagar uma lata de refrigerante, reclama! Se fosse na Europa iriam achar finíssimo!

Quanto a mim, avião é apenas um meio de transporte. Quando eu quero comer vou a um restaurante. E pago por isso.
As poltronas que não reclinam são incômodas em voos mais longos. Mas em etapas de uma hora e pouco dá para aguentar. Então isso também não foi problema.

Quanto à coragem de usar uma companhia aérea que foi recentemente vendida e que a manutenção nunca foi lá essas coisas eu confesso que contei com  a proteção do meu anjo da guarda e com a intuição que aquela ainda não era a minha hora.

Coragem mesmo quem tem são os comissários. Eles trabalham em três, num avião de quatro portas com quase cento e cinquenta assentos. Numa emergência eles vão ter mostrar rapidez, entrosamento e muita, mas muita coragem!

Perguntei a eles como ficará a situação com a venda da Web para a Gol. Ninguém ainda sabe. É uma incógnita. Perguntei também como é trabalhar com um comissário a menos. Quando o voo é tranquilo não tem problema, mas em certos voos o pau come.

Em relação ao serviço de bordo pago, no princípio os passageiros ficaram indignados. Muitas reclamações e dedos na cara, mas depois se acostumaram.

Com todos esses problemas não vi ninguém de cara feia, tenso ou mal educado. Pelo contrário. Trabalhavam  tranquilos, eram simpáticos com os passageiros. Não usavam aquela fraseologia padrão e um tanto forçadas que a gente escuta nas aeronaves.

Eu sei o quanto custa trabalhar com um sorriso no rosto quando a empresa que paga o seu salário está indo para o buraco. E quanto custa manter esse sorriso quando as condições de trabalho são adversas.
Isso é que faz a diferença do bom para o mal profissional. E espero sinceramante que todo esforço desses profissionais seja recompensado.

domingo, 31 de julho de 2011

O passageiro classe C


Ou: Eu odeio pobre!!!



Foi-se o tempo em que viajar de avião era privilégio de poucos. Agora o transporte aéreo se democratizou e alcançou camadas mais populares.
Isso é bom para quem está entrando no mercado. Mais ofertas de emprego, o setor está bombando.
Mas também significa ter que saber lidar com esses novos clientes e com seu modus operandi.

Gente mal educada existe em todas as camadas sociais. Fato. Até nas chamadas classes "diferenciadas" tem pessoas grosseiras e arrogantes. E como tem!

Mas lidar com a classe C emergente requer bastante jogo de cintura para você comissário não se melindrar à toa, não se estressar a toda hora e o mais importante: para não melindrar o cliente que é quem sempre tem razão. Seja ele brega ou chique.

Choques culturais ocorrerão com certeza, e você, como bom profissional que é, tem que estar preparado para lidar com isso da melhor maneira possível.

O passageiro classe C costuma pedir a atenção do comissário de maneiras pouco ortodoxas, como por exemplo cutucando. Podem cutucar o ombro, o braço, as costas ou puxar a manga da camisa. Não conheço ninguém que goste de ser cutucado. É chato, é desagradável, é invasivo. Mas o bom profissional aprende a "entubar".
Para quem tem verdadeiro horror de ser cutucado eu sugiro procurar outra profissão. Eles não vão parar de fazer isso. E nem você vai ficar dando aulas de etiqueta nas alturas. Até porque você terá mais o que fazer.

Uma outra maneira de se chamar os comissários é no assobio. Muitos usam o PSIU! Ou o grito mesmo: Ei! /Moça! /Aeromoça!/Meu camarada!/Colega! e outros  mais.
Ficou chocado? Vai ter dois trabalhos, pois volto a repetir: Você não é pago para dar lições de boas maneiras a quem não as pediu. O máximo que se faz numa hora dessas é mostrar ao cliente o botão de chamada do comissário e solicitar que da próxima vez ele aperte o botão ao invés de gritar. As chances de você ser atendido são.... bem.... digamos...... dois por cento talvez? rsrs

Mas ao contrário do que parece, ninguém faz isso por ser grosseiro. É que a classe C tem uma noção de privacidade peculiar. Costumam viver mais aglutinados do que as classes mais favorecidas. Ou moram várias pessoas na mesma casa, ou existem vários núcleos familiares no mesmo terreno.  O famoso "puxadinho", o segundo andar construído em cima da lage. Por isso a noção de privacidade é relativa. Isso explica os cutucões e os gritos. Quando se tem que dividir o espaço com vários outros, muitas vezes o grito é questão de sobrevivência.

A classe C costuma sujar mais o avião. Nesse caso já é uma questão cultural do povo brasileiro. Em países mais desenvolvidos o que se pensa é: "Não vou jogar papel no chão para que a rua por onde eu passo não fique suja."
Aqui a mentalidade é: "Se todo mundo joga papel no chão por que eu não posso jogar?"
E na cabeça deles sempre vai ter "alguém" para limpar a sujeirada. Então para que se preocupar?

Lidar com o ser humano nunca foi tarefa fácil. Lidar com seres humanos de cultura e mentalidade diferente da nossa é mais difícil ainda.
Procurando ver a situação pelo lado bom (sim, tudo tem seu lado bom!) são essas coisas que fazem da profissão de comissário um desafio e uma aventura. Já pensou se todos os passageiros se comportassem de maneira previsível? Não teria graça, e a gente não teria tantas histórias para contar aos nossos filhos, para postar nos nossos blogs ou para publicar em nossos livros.




quarta-feira, 20 de julho de 2011

Sexto sentido

Todo mundo que trabalha com público desenvolve uma espécie de sexto sentido, um feeling ou sei lá que nome dar a isso. Comissários não são diferentes.
É uma espécie de premonição resultante da captação da energia do outro. Nós antecipamos como o outro vai se comportar.

Quando estamos à porta do avião recepcionando os passageiros podemos sentir suas vibrações. Podemos prever quem vai dar trabalho, quem vai causar problemas, quem vai nos "alugar" . E isso não se trata de percepção individual. O colega que está ao nosso lado também sente, e a troca de olhares substitui qualquer palavra. Os passageiros também não precisam falar nada, nem dar bom dia, nem ao menos nos olhar nos olhos. Basta passar por nós.

O curioso é que as energias "ruins" são captadas mais facilmente do que as boas. Aquele passageiro educado, elegante e fofo emana menos vibrações do que o mal educado ou o "nuvem negra", aquele que tudo acontece com ele.

O "nuvem negra" já é percebido de cara. E assim que embarca começam os problemas. O assento dele está quebrado e não reclina. A luz de leitura não funciona. O voo está atrasado e ele vai perder a conexão. A bagagem dele não cabe no bin porque alguém chegou na frente e ocupou o espaço. As opções de comida terminam quando chega a vez dele.Agora só tem carne vermelha e ele não come carne vermelha. E por aí vai.

O "carente" também é percebido antes dele se manifestar. E passa o voo inteiro chamando, pedindo, perguntando, querendo atenção.

Um dos piores é o trouble maker. A criatura parece que foi viajar com a única intenção de criar caso.  Reclama de tudo, pede o que não tem, reclama mais ainda, acha tudo um absurdo, pede o impossível, compara a companhia aérea com as concorrentes e reclama muito!

Muitas das vezes o trouble maker é o passageiro frequente, que conhece a rotina dos voos. Os que possuem cartão de fidelidade da empresa fazem questão de dar carteirada. Como se isso fosse garantir grandes coisas. Se o avião cair vão todos para o mesmo lugar. Com cartão de fidelidade ou sem ele.

Nunca consegui explicar esse sexto sentido de uma maneira racional. Sei que a linguagem corporal ajuda a identificar comportamentos, até porque trabalho com isso. Mas  tem algo a mais. Energias? Vibrações? No creo, pero que las hay, las hay!

De qualquer modo, ao chegar de voos especialmente "carregados", recomenda-se um bom banho de sal grosso, um incenso purificador, um defumador, uma oração. Depende de cada um.
Dificilmente você verá gente morta frequentando seus voos. Mas os vivos que viajam de avião já assustam o suficiente.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Brincadeirinha



Era a primeira vez que Evelise atravessava o Atlântico. No avião, rumo à Africa (não me lembro se para Abidjan ou Maputo), ela dormia sentada nos assentos reservados à tripulação.

Sobrevoando o oceano no meio da madrugada os passageiros também dormiam e o avião estava na penumbra para que todos pudessem descansar melhor e não ficassem com vontade de perturbar os comissários.

Enquanto isso eu e Cris estávamos de plantão na galley traseira. Sem nada para fazer já que os passageiros estavam dormindo, deixamos a imaginação fluir e tivemos uma idéia. Por que a gente não dava as boas vindas à Evelise em seu primeiro voo transatlântico com uma brincadeira engraçada?

Pegamos três coletes salva-vidas, vestimos dois e com o terceiro na mão fomos acordar-la:
"-Evelise! Acorda Evelise!"
Ela abriu os olhos meio dormindo e olhou para nós duas vestidas com os coletes sem entender nada.
"- Você tem que vestir seu colete agora. É uma emergência! O comandante avisou que a gente vai pousar no mar!"


Ela levantou num pulo, branca feito papel:
"- Ai, meu Deus! E agora? Eu tenho duas filhas! E a minha mãe? O que será dela? Ai, meu Deus! Ai, meu Deus! As minhas filhas!"


E a gente tirando rapidamente os coletes, sem saber se ficava arrependida ou se caía na gargalhada:
"- Calma, Evelise! Calma! É brincadeira! É mentira! A gente não vai pousar no mar! Está tudo bem!"


Depois de muito tempo felizmente ela conseguiu se acalmar, pois já tinha passageiro acordando com os gritos e olhando para nós desconfiado.
"- Não foi nada não, senhor! É que ela machucou a cabeça ao se levantar muito rápido. Está tudo bem."


Evelise passou o resto do voo sem nos dirigir a palavra. No lugar dela talvez eu fizesse o mesmo. Mas o tempo passou e toda vez que a gente se encontrava ficava relembrando o episódio e se escangalhando de tanto rir.

 De duas coisas eu tenho certeza. A recepção que nós demos a ela pode não ter sido muito tradicional, mas  foi muito mais calorosa do que a que deram a mim no meu primeiro voo internacional. E ambas as recepções, por motivos totalmente diferentes, foram inesquecíveis!



domingo, 10 de julho de 2011

Web Gol

A Gol anuncia interesse em comprar a Web Jet. Para mais detalhes clique aqui.

Vejo um duopólio se formando no horizonte... De um lado a Tam que já é a primeira no mercado. Do outro a Web Gol, ou seja lá qual vai ser o nome.

Acho que já vi esse filme... Em aviação nada se cria, tudo se repete.

Mais do que isso, eu vejo duas tendências. De um lado a Tam com a filosofia de atendimento voltada para o cliente "diferenciado". Passagens mais caras, tratamento mais "vip".
De outro a Web Jet e Gol querendo se firmar no mercado mais popular, fazendo da aviação um meio de transporte acessível aos calégatudo!
Apartheid aéreo! rsrs

No meio disso e correndo por fora tem a Avianca, que se cumprir a promessa de um atendimento nos moldes dos de antigamente, com um serviço de bordo comme il faut e aeronaves mais espaçosas vai ser um ótimo diferencial no mercado.

Também tem a Azul, que por ser pequena ainda não incomoda tanto, mas por isso mesmo pode se transformar numa "grandona" antes que os concorrentes percebam.

Para os futuros profissionais da área o ideal é que tenham muitas opções. Quanto mais melhor. Por isso eu acho que essa história de ficar juntando uma com outra não tem nada a ver.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

A embaixada



Um avião brasileiro em solo de país estrangeiro é considerado pelos brasileiros que o utilizam como território do Brasil, mesmo que para efeitos legais aeronaves privadas não possuam extraterritorialidade. Mas nesse caso, como diz a canção de Milton Nascimento: "O que importa é ouvir a voz que vem do coração."
Então dentro do avião é território brasileiro e pronto!

Não foram poucas as vezes que escutei de passageiros embarcando coisas do tipo: "Agora sim, eu sinto que estou em casa!" ou "Que bom escutar vocês falando português!"
Essas frases eu ouvia tanto de turistas que acabavam de retornar de excursão de uma semana a Miami, saudosos do Guaraná e "esquecidos" da língua portuguesa quanto daqueles que por algum motivo deixaram a terra natal para viver em outros países e retornavam depois de muito tempo, em visita ou definitivamente.

Muitas vezes também ouvi: "A Varig é como se fosse uma embaixada!"
Falo da Varig porque durante muitos anos foi a única companhia aérea brasileira a voar para o exterior. A ditadura militar deu-lhe o monopólio, que foi quebrado anos depois, mas mesmo assim hoje o monopólio extra-oficial ainda persiste. Uma pena. Gostaria de ver mais embaixadas com asas pelo mundo.

Certa vez eu estava recepcionando passageiros a bordo no aeroporto de Heathrow em Londres quando uma moça embarcou. Devia ter uns vinte e cinco anos mais ou menos. Estava pálida, e ao embarcar seus olhos se encheram de lágrimas e ela disse: "Graças a Deus eu estou aqui!" E suas pernas cederam.
Conseguimos leva-la para um canto, oferecemos água mas ela disse que não podia beber. Aliás não podia engolir quase nada porque tinha tido um derrame. E foi contando sua história.

Tinha vindo para a Inglaterra tentar a vida como tantos outros. Seu namorado já vivia em Londres. Ela conseguiu alugar um quarto na casa de uma senhora. Como estava ilegal só conseguia sub-empregos, mas ia vivendo mesmo assim.
Até que o namorado veio embora. Ela foi ficando até que teve o derrame. Como imigrante ilegal não tinha direito ao sistema de saúde britânico, e não podia mais trabalhar.
Não sei por quanto tempo ela permaneceu nessa situação, sem trabalho e sem assistência, até que um dia sua landlady, certamente com medo dela morrer em sua casa, das despesas que isso acarretaria e das explicações que teria que dar ao serviço de imigração, procurou saber os horários de voos da Varig para o Brasil, colocou-a dentro do carro e desovou-a em Heathrow.

Não fiquei sabendo se tal derrame era consequência de uma patologia mais séria, mas naquele momento não cabia especular. A moça estava mal, estava sozinha, estava sem se alimentar e precisava voltar para casa.
Fomos falar com o comandante que com bom senso e raciocínio prático decidiu: "Se ela morrer a bordo pelo menos estaremos levando-a para casa. Se ficar aqui vai morrer como indigente. Deixem ela ficar."

O bilhete dela era da classe econômica, mas a Executiva tinha assentos vazios. O comandante liberou para que nós a puséssemos lá, num assento próximo da galley para darmos a assistência necessária.
Fizemos soro caseiro e uma escala de revezamento para dar-lhe o soro aos poucos com uma colher, pois ela mal podia engolir. E durante as doze horas de voo nos revezamos para cuidar dela, que por sorte foi melhorando.

Conseguimos traze-la a salvo para seu país. Pousamos em São Paulo e ela desembarcou agradecendo muito pelos cuidados e atenção.
Não me lembro mais seu nome. Mas a sensação boa de missão cumprida eu nunca esquecerei. E sei que ela não esquecerá essa viagem, assim como eu e meus colegas que participaram da mesma missão.

Espero que ela esteja bem. Assim como espero que outros brasileiros expatriados, deportados ou exilados de sua terra natal por qualquer motivo continuem tendo uma boa acolhida ao voltarem para casa. Sem perguntas, sem cobranças e sem julgamentos.

sábado, 2 de julho de 2011

Enquanto isso na Azul Linhas Aéreas...



Semana passada, dia de nevoeiro intenso em São Paulo e Rio de Janeiro, como é comum nessa época do ano.
Dia de aeroportos fechados por condições metereológicas. Dia de stress para todos que trabalham em aviação, principalmente agentes de aeroporto e tripulantes, que são aqueles que tem que passar óleo de peroba na cara e botar a mesma para bater.

Dia de passageiros estressados nos mais diversos graus, botando para fora seus instintos mais baixos, sem querer nem saber se a culpa do atraso é de São Pedro ou não. Eles querem é chegar ao destino de qualquer jeito, não importa como.

Embarque tumultuado em São Paulo depois de muitas horas de espera para o voo com destino ao Rio. Um casal com uma criança de colo reclama com a comissária que marcaram lugares separados para eles e pedem para sentar juntos.

A comissária se dirige a um passageiro sentado sozinho na primeira fileira de poltronas:
- Com licença. Será que o senhor poderia trocar de assento para esse casal com a criança poder sentar juntos?
Passageiro: - Só se tiver assento na janela.
Comissária: - Um momento.
Volta pouco depois.
- Senhor, tem um assento na janela um pouco mais atrás.
Passageiro: - É no Espaço Azul?
Comissária: - Não.
Passageiro: - Então eu não troco.
Comissária: - Obrigada, senhor.

O casal reclama mais um pouco e no final viaja separado mesmo. O homem vai sozinho na fileira de poltronas do Espaço Azul.

Mas o que é o Espaço Azul e por que ele é tão imprescindível?
Espaço Azul é o nome criado para denominar dezesseis poltronas do avião com alguns centímetros a mais de espaço para esticar as pernas. Sim você já leu isso por aqui, no post Assento conforto.

O passageiro, no ato da reserva pode solicitar um assento no Espaço Azul pagando uma diferença de R$30,00 no preço do bilhete.
As poltronas comuns tem 79cm de espaço entre elas. As poltronas "nobres" do Espaço Azul tem 86cm. O passageiro paga por 7(sete) centímetros a mais!
Você duvida? Então clique aqui.



Está aberto o debate. Na sua opinião quem está errado nessa história?

O passageiro, que foi mesquinho ao se recusar a ceder seu assento para o casal com uma criança de colo?
Afinal era um voo de quarenta minutos, será que faria tanta diferença assim os sete centímetros a mais para tão pouco tempo? O que custava ele fazer a gentileza?

O casal, que poderia muito bem viajar separado numa viagem de quarenta minutos e ninguém morreria por causa disso? Afinal o voo já estava bastante atrasado, para que causar mais problemas? Além do mais o cidadão pagou 30 reais de diferença para ter o direito de sentar lá.

As empresas aéreas,que na ganância por mais dinheiro sub-locam a classe econômica inventando assentos diferenciados numa mesma cabine e criam estratégias de marketing visando botar lenha na fogueira de vaidades que existe dentro de cada ser humano, fazendo-os acreditar que 30 reais farão deles pessoas "diferenciadas"?

Acreditem, queridos leitores, é muito fácil massagear o ego de um passageiro. Apesar deles se avaliarem por muito, acabam se vendendo por bem pouco. Às vezes por sete centímetros a mais para esticar as pernas. Outras vezes por um bombom Sonho de Valsa.